Justiça condena Cláudio Antônio Guerra a sete anos de prisão por ocultação de cadáver, estabelecendo um marco na busca pela justiça das vítimas do regime autoritário
A luta pela justiça e pela honra das vítimas da ditadura militar brasileira obteve um significativo triunfo, conquistado pelo Ministério Público Federal (MPF). No último dia 8, a Justiça Federal de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, sentenciou Cláudio Antônio Guerra, antigo delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Espírito Santo, a sete anos de reclusão, em regime semiaberto, pelo crime de ocultação de cadáver.
A acusação do MPF refere-se ao sumiço de 12 militantes políticos durante a ditadura, incluindo Ana Rosa Kucinski Silva, Armando Teixeira Frutuoso, David Capistrano da Costa, Eduardo Collier Filho, entre outros.
Na decisão, a Justiça Federal afirmou que os crimes sob investigação são inalienáveis e são considerados como crimes contra a humanidade, segundo a Constituição da República, normas internacionais de direitos humanos e jurisprudência firmada nos sistemas global e interamericano de proteção dos direitos humanos.
A acusação contra Guerra foi apresentada em julho de 2019 pelo procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, do MPF em Campos dos Goytacazes. Guerra foi acusado de destruição e ocultação de cadáveres, com o procurador afirmando que seus atos criminosos são graves e inaceitáveis numa sociedade democrática.
Segundo o procurador Virgílio, a conduta de Guerra desviou-se da legalidade, descartando os princípios fundamentais que devem orientar o trabalho de qualquer servidor público, particularmente aqueles atuando em cargos de forças de segurança pública, responsáveis por garantir os direitos e garantias constitucionais dos cidadãos.
Além do tempo de prisão, Guerra foi sentenciado a pagar uma multa de 308 dias, baseada em um trigésimo do salário-mínimo vigente em 22 de outubro de 2019 (data da apresentação da acusação pelo MPF), somando um pouco mais de R$ 10 mil.
Lei de anistia – Os argumentos apresentados pelo MPF sobre a inaplicabilidade da Lei de Anistia foram aceitos pela Justiça Federal, que rejeitou a anistia com base em duas razões. A primeira é que a lei anistiou os crimes políticos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, o que limita sua abrangência temporal. No entanto, segundo a juíza, os crimes de ocultação de cadáveres ocorridos entre 1974 e 1975 permanecem sem solução até hoje, caracterizando um crime de natureza permanente que se estende além do período delimitado pela Lei de Anistia.
A Justiça concluiu ainda que a Lei de Anistia não é compatível com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e com a jurisprudência consolidada em cortes internacionais. Ela menciona o julgamento dos casos Gomes Lund e Herzog e outros pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que concluiu que a Lei de Anistia brasileira é incompatível com o Pacto de San José da Costa Rica. A Corte determinou que o Estado brasileiro deve realizar investigações efetivas e punir as violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar, rejeitando a aplicação da Lei de Anistia. Na sentença, a Justiça ressalta que essa posição da Corte Internacional está em conformidade com outras decisões semelhantes, que consideram as leis de anistia incompatíveis com as obrigações dos Estados de investigar e punir violações graves de direitos humanos.
Denúncia – Em julho de 2019, o MPF apresentou denúncia contra Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do DOPS do Espírito Santo, pelos crimes de destruição e ocultação de cadáveres cometidos durante a ditadura militar no Brasil. De acordo com o MPF, Guerra é acusado de sequestro, homicídio, ocultação de cadáver e associação criminosa.
Os crimes cometidos por Guerra foram investigados no procedimento investigatório criminal 1.30.002.000105/2012-04, baseado em seus próprios relatos no livro Memórias de Uma Guerra Suja. Ele confessou ter recolhido os corpos de 12 pessoas e os levado para serem incinerados entre 1973 e 1975. Os corpos foram retirados de locais como a “Casa da Morte” em Petrópolis (RJ) e o DOI-Codi no Rio de Janeiro, sendo incinerados posteriormente na Usina Cambahyba em Campos dos Goytacazes (RJ). A confirmação dos corpos levados por Guerra foi feita em vários depoimentos, incluindo um prestado no MPF no Espírito Santo. Essas 12 pessoas mencionadas por Guerra fazem parte de uma lista de 136 pessoas consideradas desaparecidas pelo relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Livro — Memórias de uma Guerra Suja é um livro autobiográfico escrito por Claudio Guerra. O livro relata a experiência de Guerra como integrante do aparato repressivo do regime militar no Brasil, incluindo sua participação em sequestro, torturas, homicídios e ocultação de cadáveres de opositores políticos do regime, além da evidente associação criminosa. Guerra descreve em detalhes as atrocidades que testemunhou e cometeu durante esse período, bem como os conflitos internos que enfrentou ao lidar com sua consciência e seus valores morais. O livro revela o ponto de vista de um integrante do regime, contribuindo para a compreensão da história recente do Brasil e para a reflexão sobre os efeitos duradouros da violência política e da repressão sobre a sociedade e as instituições.
A condenação do ex-delegado do Dops é um avanço na busca pela verdade e pela responsabilização dos envolvidos nos crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil. O MPF reafirma seu compromisso em investigar e denunciar casos de violações de direitos humanos ocorridos durante esse período obscuro da história do país. A sociedade brasileira tem o direito de conhecer a verdade sobre o que aconteceu durante a ditadura militar e ver os responsáveis pelos crimes cometidos na época sendo punidos.
A sentença condenatória pode ser contestada em recurso e a Justiça Federal concedeu a Cláudio Guerra o direito de recorrer em liberdade.
Edição do Anexo 6: Sérgio Botêlho, com informações do MPF